quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Análise do Texto de Êxodo 6.2-9 - Parte 4 - Conclusão



Parte: 4 - Conclusão


2 - ANÁLISE TEOLÓGICA


A pergunta que um leitor atendo das Escrituras faria ao ler o texto de Êxodo 6.1-9 seria: A partir de qual momento Deus passou a ser conhecido pelo nome “Senhor”?
Devemos reconhecer que ninguém conhece em absoluto o significado do nome divino de Iahweh. Devido o texto de Êxodo 6.3 mencionar: “Apareci a Abraão, a Isaque e a Jacó como Deus Todo-Poderoso; mas pelo meu nome, O SENHOR, não lhes fui conhecido”. Tem se alegado por parte de alguns críticos adeptos da Hipótese Documentária, que o nome “Senhor” era desconhecido antes de Moisés, ou seja, que Iavé não era conhecido por Israel até que Deus não se revelou a Moisés. Vejamos: “R.W.L. Moberly alegou recentemente com veemência que o nome Javé foi primeiro revelado a Moisés e que empregos anteriores em Gênesis são anacronismos”.[1] Assim, o aparecimento do nome Iavé, nas histórias sobre os patriarcas (Gn 15.2,8; 16.2; 18.14; 19.13; 24.31 etc.), deveria ser visto como inserções feitas por algum editor posterior. E ainda este versículo tem sido alistado em favor da “hipótese quenita”, que crê que Moisés aprendeu este nome divino, Iavé, com os midianitas em Midiã, onde permaneceu com seu sogro.
É de suma importância a compreensão deste texto, pois constitui como um dos principais sustentáculos da Hipótese Documentária.
Temos que ter em mente antes de fazer declarações precipitadas, que o que nós hoje entendemos por “conhecer” é diferente do que entendiam o povo de Israel no contexto do texto bíblico. Hoje entendemos “conhecer” como algo analisado pela razão, ter conhecimento de causa, ter experimentado, analisar e buscar relações de causa e efeito, ou seja não é meramente um conhecimento intelectual; o que demonstra ser distinto do conhecimento do Israel antigo, como veremos a seguir.
Esta expressão “saber que eu sou Iavé”, “conhecer o nome de Iavé”, se emprega cerca de 26 vezes em todo o Antigo Testamento, por exemplo, em Ex 6.7; 14.4. Archer, sugere a seguinte forma de se entender o texto em questão:
“Eu me apresentei perante Abraão, Isaque e Jacó como o Governador todo-poderoso da criação e Soberano sobre toas as forças da natureza [i.e., como El Shadai, Deus todo-poderoso], mas não me apresentei a eles como o Deus que guarda a aliança, de maneira miraculosa e redentora que estou prestes a demonstrar ao livrar toda a nação de Israel do cativeiro egípcio”. [2]
Assim, os israelitas não desfrutavam do relacionamento com Deus que o nome Iavé dá a entender. Conheciam a Deus pelo nome Iavé, mas, não pelo caráter de Iavé. Neste momento a essência e significado do nome Iavé passou a ser conhecido.
“Não temos na narrativa do Êxodo a revelação de um nome novo, mas a explicação de um nome já conhecido de Moisés e que, numa hora solene, se descobre que está repleto de um conteúdo de cuja riqueza ele estava longe de suspeitar”.[3]
No Antigo Testamento se verifica que o “nome” não era uma simples referência à nomenclatura, mas também aos atributos e caráter da pessoa. “Como entre os povos primitivos, o nome em todo antigo Oriente define a essência de uma coisa: nomeá-la é conhece-la e, portanto, ter poder sobre ela”.[4] Assim Ex 6.3 nos informa que Faraó conheceria o poder de Deus que libertaria seu povo.
Percebe-se uma recusa por parte dos críticos, em aplicar regras básicas de interpretação de um texto sobre a passagem em pauta; aplicam uma interpretação literal, esquecendo do contexto ou analogia de outros ensinamentos bíblicos. Se aplicassem uma forma de interpretação que levasse em consideração o objetivo ou desígnio do livro e passagem em que ocorrem as palavras ou expressões obscuras, chegariam à conclusão de que o “conhecer o nome” implica conhecimento experimental dos atributos enfatizados pelo nome.
Conforme o texto nos diz Deus se revelou a Abraão, Isaque e Jacó como “El Shadai” (Todo-Poderoso), isto não implica que Deus quisesse dar aos patriarcas um título para que se dirigissem a Ele, mas simplesmente mostrou-lhes seu caráter como Todo-Poderoso. O nome de Iavé substituía o próprio Deus, pois o mesmo testificava sua presença, tanto que os judeus não ousavam invocar o nome de Iavé em vão, e nem profaná-lo.
Os críticos querem que o texto diga que os israelitas passaram a conhecer o nome Iavé, a partir daquele momento; mas ocorre que os israelitas tornariam testemunhas do poder de Deus, conforme os atributos que este nome denota. Da mesma maneira Jeremias utilizou-se desta forma de entender: “Portanto, eis que lhes farei conhecer, desta vez lhes farei conhecer a minha força e o meu poder; e saberão que o meu nome é SENHOR” (Jr 16.21).
A palavra utilizada em Êxodo 6.3 para “conhecer” é “yāda”. Conforme o Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento menciona
“Esta raiz, que ocorre 994 vezes, é usada em todas os graus e expressa uma variedade de aspectos de conhecimento adquirido pelos sentidos. Seus sinônimos mais próximos são bîn, ‘discernir’, e nākar, ‘reconhecer’. A raiz é encontrada em acadiano, ugarítico e nos textos de Qumran”.[5]
Como vemos, a palavra “conhecer” ((([d:Þy" yāda) implica em uma “variedade de aspectos de conhecimento adquiridos pelos sentidos”, em primeiro lugar temos a informação de que a palavra conhecer possui diversos significados que muda conforme o contexto (o significado que os críticos querem dar somente se encaixa em seus próprios contextos particulares), e em segundo lugar vemos que os sinônimos da palavra conhecer são “discernir”, e “reconhecer”, isso foi justamente o que os israelitas passaram a ter a partir de Êxodo 6.3, discerniram uma nova forma do caráter de Deus, e re-conheceram esta nova forma de seu caráter com o Deus de seus pais.
E esse reconhecimento do caráter de Deus foi necessário, pois, William Brownlee, especialista no material de Qumran, baseado no uso que o Manual de Disciplina faz de 1 Samuel 2.3 e em outros indícios acredita que o significado de Iavé deva ser “aquele que faz acontecer”. “Brownlle disse que esse nome combina com o anúncio de que Javé livraria os hebreus da escravidão... O que eles precisavam era a garantia de que o Deus deles, Javé, podia fazer as coisas acontecerem...”[6] E para complementar “Tanto Jacob como von Rad criam que o significado básico de Javé é ‘presença’, ‘estarei convosco’.”[7] Um Deus que faz as coisas acontecerem e está presente, era tudo o que Israel cativo no Egito necessitava naquele momento. Isso justifica Deus ter dito que “mas pelo meu nome, O SENHOR, não lhes fui conhecido”. Israel estava prestes a conhecer algo da parte de Deus que jamais haviam experimentado antes.
Se usarmos o raciocínio dos críticos que alegam que o nome do Senhor era desconhecido antes de Moisés, pode se alegar que Deus somente conheceu a Israel e a nenhuma outra nação, vejamos o texto bíblico: “De todas as famílias da terra a vós somente conheci; portanto, todas as vossas injustiças visitarei sobre vós.” (Am 3.2).
Os críticos estão em contradição com suas próprias teorias, pois se crêem que o Pentateuco em sua forma final foi fruto do trabalho de redatores, estes redatores não compreendiam Êxodo 6.3, como os críticos compreendem. Os redatores não viram nenhum problema no fato do livro de Gênesis conter diversas ocorrências do nome Iavé, e em Êxodo 6.3 dizer que Iavé não era conhecido até então. Se tivessem visto algum problema teriam alterado o versículo.
Devemos ter sempre o cuidado de interpretar passagens individuais dentro de um contexto teológico total da Bíblia, afim de que possa se tornar claro a nós uma passagem individual. Logicamente que quando nos achegamos a um texto bíblico, nossa interpretação pode ser facilmente influenciada pelas nossas experiências e conhecimentos anteriores. Por isso, é preciso que testemos o resultado de nossa interpretação com aquilo que as Escrituras dizem como um todo.



[1] SMITH, Ralph L., Teologia do Antigo Testamento, Editora Vida Nova, pg. 114.


[2] ARCHER, Gleason L., Enciclopédia de Dificuldades Bíblicas, Ed Vida, 1998, pg.72.


[3] KIDNER, Derek, Gênesis Introdução e Comentário, Ed Vida Nova, Série Cultura Bíblica, 2001, pg. 19.


[4] VAUX, Roland de, Instituições de Israel no Antigo Testamento, 1º edição, São Paulo, Edições Vida Nova, 2004, pg. 66.


[5] Harris, R. Laird; Gleason L. Archer, Jr; e Bruce K. Waltke, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, Ed Vida Nova, 2001, pg. 597.


[6] SMITH, Ralph L., Teologia do Antigo Testamento, Editora Vida Nova, pg. 113.


[7] Ibid. pg. 113.

Um comentário:

  1. Querido irmão, este texto é de minha autoria e foi extraído do portal www.creiaemjesus.com.br. Fique a vontade para divulgá-lo desde que informe a fonte e o autor.
    Danilo Moraes
    Mestre em Teologia pela FTBSP

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