quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Período Patriarcal



Pode-se dizer que o Período Patriarcal, na narrativa bíblica, vai de Abraão no capítulo 11 do livro de Gênesis até o primeiro capítulo do livro de Êxodo, o qual apresenta uma lista dos filhos de Jacó, ou seja, de 2300-1900 A.C. até 1600-1300 A.C., aproximadamente.


1 - Patriarcas na Mesopotâmia
Terá, pai de Abraão, vivia em Ur dos caldeus, na Mesopotâmia. A Bíblia na fala o porquê, mas Terá saiu de Ur em direção a terra de Canaã, mas não conseguiu chegar lá. Ele e os seus chegaram a Harã, e lá permaneceram. A viagem só continuou quando Terá morreu e Abraão recebeu a Promessa Divina. A Mesopotâmia dessa época estava enfrentando uma grande confusão política, o que pode ter motivado Terá a abandonar a cidade de Ur. Harã era parecida com Ur, talvez por isso ele tenha ficado por lá. Ambas as cidades eram bem desenvolvidas e eram centros de adoração do deus lua, o qual Terá deve ter adorado, já que a bíblia o apresenta como um idólatra (Js 24:2).


2 - Patriarcas em Canaã
Abraão recebeu a promessa de que possuiria a terra de Canaã, mas, de fato, ele mesmo nunca a possuiu (seus descendentes fariam isso séculos mais tarde). Ele acabou com um pedaço de terra em Hebrom, onde sepultaria sua esposa Sara e, mais tarde, vários outros familiares (Rebeca, Lia, Isaque, Jacó e inclusive ele mesmo). Em Canaã, Abraão teve vários filhos de suas esposas e concubinas, os quais foram mandados embora para que Isaque, o filho da promessa ficasse livre da presença deles.Isaque não foi uma figura de grande destaque na tradição bíblica. Ele conseguiu aumentar a sua riqueza pessoal e chegou a agir como uma espécie de chefe de estado ao fazer aliança com os filisteus (Gn 26).
Jacó, sim, daria continuidade a jornada de Abraão com mais destaque.É importante notar que os Patriarcas daquela época não viam a vida após a morte como nós, cristãos, vemos hoje. Eles não esperavam muita coisa para si mesmos depois que morressem a não ser a continuidade da vida em seus descendentes. Para eles, quando um descendente recebesse o cumprimento da promessa, também o seus ascendentes a receberiam. É importante notar que os Patriarcas não eram os únicos a peregrinarem por Canaã por aquela época. Outros povos estavam nas mesmas condições que os descendentes de Abraão.


ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA ERA PATRIARCAL
1. Hábitos nômades
Abraão, Isaque e Jacó foram fundadores, não de cidades, como foram Menes, Ninrode e Assur, mas de uma raça e uma fé. Viviam em tendas e mudavam-se de um lugar para outro. Embora não fossem pessoas sem propósito nem andarilhos sem lei, foram peregrinos, que migraram por terem sido chamados por Deus, inspirados por um propósito sublime e de longo alcance.


2. O aspecto patriarcal
O pai era: a) o líder da família (veja Gênesis 22:10; 28:24); b) o chefe militar (Abraão liderou uma expedição à Mesopotâmia); c) o sacerdote da família (ele construía os altares e oferecia os sacrifícios pela família); d) o profeta da família (para ele e através dele Deus fazia conhecer Sua vontade e Seus propósitos).


3. Conceitos sobre Deus
Os patriarcas agarravam-se firmemente aos seguintes conceitos: a) a unidade de Deus — não existe traço depoliteísmo predominante; b) a personalidade de Deus — não há vestígio de panteísmo, nem de adoração à natureza, abundantes no Egito; c) a universalidade de Deus — Ele é o Deus de toda a terra (Gênesis 18:25); o Deus do faraó bem como de Abraão e Israel; ele domina sobre o Nilo e o Eufrates, assim como sobre o Jordão; d) a santidade de Deus — Ele jamais é desfigurado pelo mal das divindades pagãs. O Juiz de toda terra fará justiça (Gênesis 18:25).


4. Formas de adoração
Não havia templos nem festas determinadas; nenhum sinal definido do sábado, embora a posterior lei de Moisés remonte ao fato de Deus ter descansado da criação no sétimo dia e haja sinais da divisão semanal do tempo (Gênesis 8:10–12). Havia altares rudimentares, sacrifício de animais, monumentos consagrados, votos, peregrinações, orações, dízimos e o rito da circuncisão.


5. Grau de civilização


Apesar de serem nômades, os patriarcas não eram bárbaros. Tiveram contato com a civilização mais desenvolvida da era na Caldéia e no Egito. Eram pastores, mas também praticavam a agricultura. Tinham dinheiro e jóias; Judá tinha um anel de sinete e José, uma túnica de príncipe; e não é improvável que estivessem familiarizados com a arte da escrita que floresceu tanto no vale do Nilo como no do Eufrates.


6. A importância da aliança
A aliança abraâmica é a chave para o período patriarcal e toda a história dos hebreus. Sem dúvida a história é intensamente humana. Todos os motivos naturais desempenharam seus papéis nas migrações e na vida familiar e nacional. Mas o poder criativo estava na aliança. Era a aliança que diferenciava os judeus do resto do mundo. Ela os fazia ansiar continuamente pela terra, por uma nação e um “descendente” que abençoaria todas as nações. Originalmente feita a Abraão na Caldéia, a aliança lhe foi confirmada em Canaã cinco ou seis vezes, renovada expressamente a Isaque e repetidamente a Jacó. José baseou suas palavras finais no leito de morte nessa aliança; e séculos depois ela foi renovada a Moisés na sarça em chamas e estendida no Sinai ao âmbito nacional. Não há como medir o poder criativo de tamanha fé e esperança exercido sobre o caráter de um homem ou um povo.
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Para Bright os Patriarcas se encaixam melhor no período da Idade do Bronze Média. Os nomes dos patriarcas são de natureza norte-semita, segundo os textos de Mari, e os costumes segundo os textos de Nuzi. Abraão e Ló teriam sido cabeças de grandes clãs buscando por segurança em Canaã, ao invés de famílias isoladas vagando por terra hostil. Os textos de Nuzi apresentam evidencias indiretas à antiguidade dos patriarcas. Com o uso dos textos de Ebla para reconstruir a pré-história de Israel Bright abriu a possibilidade de datar Abraão antes do terceiro milênio.
Diante das críticas de Thompson e John Van Seters quanto ao uso dos textos de Nuzi para datar os patriarcas, Bright passou a confiar mais na evidencia interna do que na externa. Pois segundo ele, a ausência de semelhança entre a lei israelita mais recente e os costumes patriarcais no material bíblico é suficiente para estabelecer a “tenacidade da memória histórica”.
Ele entende que o Êxodo e o Sinai constituem os dois pilares da identidade de Israel, juntamente com a eleição e a aliança. Em Canaã Israel herdou o alfabeto linear e formas da religião pagã. A data para a entrada em Canaã segundo Bright é uma questão complicada, mas sugere que tenha sido na primeira metade do século XIII.
O CONCENSO É DESFEITO
Até meados da década de 70 do século XX, havia um razoável consenso na História de Israel. Entre outras coisas, o consenso dizia que a Bíblia Hebraica era guia confiável para a reconstrução da história do antigo Israel. Dos patriarcas a Esdras, tudo era histórico.
Os patriarcas eram personagens históricos, o que podia ser comprovado pelos textos mesopotâmicos de Nuzi, do século XIV a.C., em seus muitos paralelos, de estruturas sócio-econômicas a tradições legais, com Gn 12-35. E a migração dos amoritas, que ocuparam a Mesopotâmia e a Palestina no final do terceiro milênio a.C., criava as condições ideais para a entrada dos patriarcas na região da Palestina e explicava seus nomes, sua língua e sua religião.
É preciso lembrar, porém, que a historiografia alemã, desde W. de Wette, em 1806-7, passando por Julius Wellhausen, em 1894, até Martin Noth, em 1950, não participava integralmente deste consenso, negando, por exemplo, a historicidade dos patriarcas.
O uso dos textos bíblicos como fonte para a ‘História de Israel’ é questionado por muitos. A arqueologia ampliou suas perspectivas e falar de ‘arqueologia bíblica’ hoje é proibido: existe uma ‘arqueologia da Palestina’, ou uma ‘arqueologia da Síria/Palestina’ ou mesmo uma ‘arqueologia do Levante’. Essa postura tem sido aceita em muitos círculos acadêmicos.
O uso de métodos literários sofisticados para explicar os textos bíblicos, afasta-nos cada vez mais do gênero histórico, e as ‘estórias bíblicas’ são abordadas com outros olhares. A ‘tradição’ herdada dos antepassados e transmitida oralmente até à época da escrita dos textos freqüentemente não consegue provar sua existência.
A construção de uma ‘História de Israel’ feita somente a partir da arqueologia e dos testemunhos escritos extrabíblicos é uma proposta cada vez mais tentadora.
E há pesquisadores de renome na área, como Rolf Rendtorff, exegeta alemão, professor em Heidelberg, que já em 1993 afirmava em artigo na revista Biblical Interpretation 1, pp. 34-53, que os problemas da interpretação do Pentateuco estão intimamente ligados aos problemas mais amplos da reconstrução da história de Israel e da história de sua religião
Em 1967, o norte-americano Thomas L. Thompson começou sua tese de doutorado na Universidade de Tübingen, na Alemanha. O tema: as narrativas patriarcais. Sua idéia fundamental: se algumas das narrativas sobre os patriarcas hebreus estavam se referindo historicamente ao segundo milênio a.C., como quase todos os arqueólogos e historiadores acreditavam naquela época, então Thompson poderia distinguir nelas as mais antigas histórias bíblicas da tradição posterior mais ampliada.
Quando Thompson começou seu trabalho, ele estava tão convencido da historicidade das narrativas sobre os patriarcas no Gênesis, que aceitou, sem questionar, os paralelos feitos entre os costumes patriarcais e os contratos familiares encontrados na cidade de Nuzi, no norte da Mesopotâmia, e datados da época do Bronze Recente (ca. 1500-1200 a.C.).
Dois anos mais tarde, porém, em 1969, Thompson percebeu que os costumes familiares de Nuzi e as leis sobre propriedades não eram exclusivos nem de Nuzi, nem do segundo milênio, mas, mais provavelmente, refletiam práticas típicas do primeiro milênio a.C. Isto quebrava o paralelismo feito pelos autores entre Nuzi e o mundo patriarcal e tirava a garantia de que os costumes patriarcais refletiam práticas do segundo milênio.
Thompson passou, então, a defender que as narrativas patriarcais estavam refletindo muito mais o primeiro do que o segundo milênio, e a datação tradicional dos patriarcas historicidade caíram por terra.
John Van Seters, pesquisando a historicidade do patriarcas, independente de Thomas L. Thompson, chegou a conclusões semelhantes, não atribuindo qualquer valor histórico às estórias sobre Abraão.
AVALIAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA “NOVA HISTÓRIA DE ISRAEL”
Ao analisar os argumentos anteriores sobre o período patriarcal já se pode perceber claramente a linha e a intenção do autor. É importante lembrar que essa abordagem teve forte influência do Iluminismo, o pensamento racionalista e deísta que entendia que Deus tem de ficar de fora do conhecimento humano.
Deus existe, mas não intervem na história humana por revelação, milagres ou providência. Basicamente os argumentos são apresentados sob o princípio de que Deus não se revela ao homem, nem intervém, muito menos sobrenaturalmente, na história humana. A criação do mundo, os milagres de Moisés e a formação do povo de Israel, entre outros episódios, são desacreditados, explicados como fenômenos naturais ou tratados como invenções do povo de Israel.Nunca aconteceram historicamente, são criação da fé dos israelitas, histórias lendárias denominadas pelo autor de mitos ou sagas.
Preferível é a visão de Samuel J. Schultz que diz que através das bênçãos e infortúnios de Israel, Deus, o criador do universo e do homem, determinou o curso a ser tomado pelo seu povo escolhido no cenário internacional das culturas antigas. Deus não é apenas o Deus de Israel, mas também o governante supremo que controla as atividades de todas as nações. Mas infelizmente este não é o pano de fundo do método histórico-crítico, adotado por alguns pesquisadores, que teve seu início no século 17 e falecimento decretado em meados dos anos 1970. Concordo com Augustus Nicodemus Lopes, que afirma em sua obra A Bíblia e seus intérpretes: “É triste observar que uma boa parte dos supostos resultados infalíveis deste método ainda influenciam estudos acadêmicos hoje, como fatos provados e não meras hipóteses – o que de fato são”.
Além disso, esta linha defende que as confissões de fé não são essenciais para o cristianismo, pois o que molda a religião é a experiência e não a revelação. O que é isso senão um ataque à autoridade das Escrituras e ao cristianismo? Inescrupulosamente tira o pressuposto da fé e adota o da incredulidade.
Por isso, creio que a história apresentada por estes pesquisadores não é autêntica, não é verdadeira. Trata-se no máximo de um conjunto de suposições e hipóteses. Porém, ao apresentá-la como verdade, acaba por se tornar uma história espúria de Israel. Nenhum de nós pode ler a Bíblia sem a influência do que cremos. O importante é termos os pressupostos certos em nossa leitura, exigidos pela própria Escritura – o reconhecimento de seu caráter divino e a crença nas suas afirmações.
BIBLIOGRAFIA
BRIGHT, John. História de Israel. 7ª edição, revista e ampliada. São Paulo : Paulus, 2003.
CLEMENTS, R., E. (Org), O Mundo do Antigo Israel, São Paulo, Editora Paulus, 1995.
GOTTWALD, Norman. K. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo : Paulus, 1988, 2º edição.
KELLER, Werner, E a Bíblia Tinha Razão..., 25º edição, Editora Melhoramentos, 2002.
KNIERIM, Rolf P. A interpretação do Antigo Testamento. São Bernardo do Campo : EDITEO, 1990.
LOPES, Augustus Nicodemos. A Bíblia e seus Intérpretes – uma breve história da interpretação. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004.
MESQUITA, Antônio Neves de, Povos e Nações do Mundo Antigo, 4º edição, Editora Juerp, 1983.
PACKER, J., I., O Mundo do Antigo Testamento, 7º impressão, Editora Vida, 2001.
SCHULTZ, Samuel J., A História de Israel no Antigo Testamento, 1º edição, Edições Vida Nova, 2001.
VAUX, Roland de, Instituições de Israel no Antigo Testamento, 1º edição, São Paulo, Edições Vida Nova, 2004.

Um comentário:

  1. Querido irmão, este texto é de minha autoria e foi extraído do portal www.creiaemjesus.com.br. Fique a vontade para divulgá-lo desde que informe a fonte e o autor.
    Danilo Moraes
    Mestre em Teologia pela FTBSP

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